sexta-feira, outubro 09, 2015

Como cães podem ajudar a curar crianças

Mambo é um terapeuta jovem. Dedica-se à carreira há dois anos. E pode dizer que acumula relativo sucesso. Basta que as crianças do hospital avistem seus "cabelos" dourados para ficar animadas. Mambo é um golden retriever tranquilo que, algumas vezes ao mês, junta-se à dona, Carla Bononi, para fazer trabalho voluntário. Em uma tarde de quinta-feira de junho, os dois estavam no Hospital Cruz Azul, no Cambuci, em São Paulo. Sua missão, em companhia de outros quatro cachorros e de seus respectivos tutores, era alegrar as crianças internadas e, com isso, ajudá-las a se recuperar melhor e mais rapidamente.
sucesso.
Mambo e sua dona são voluntários do Instituto Nacional de Ações e Terapias Assistidas por Animais (Inataa). A ONG paulista, fundada em 2008, leva cães para visitar asilos e hospitais infantis por toda a cidade. São quatro asilos e dois hospitais que recebem visitas regulares dos cachorros. O time habitual, montado para cada visita, é composto por três cães de médio porte, como Mambo, dois cachorros menores e seus tutores humanos - que podem ser os donos do animal ou algum voluntário da ONG. No Inataa, trabalham pouco mais de 40 cães.
A ideia do Inataa, e de outras organizações que fazem trabalho parecido, é de que o contato com os animais ameniza as tensões do meio hospitalar, e ajuda o paciente a se sentir melhor. “Passar 20 minutos na presença desses animais já melhora os seus batimentos cardíacos, a sua pressão sanguínea”, diz Vera Abruzzini, presidente do Inataa. “Eles também trazem conforto para quem vive em asilos e se sente só.”

As visitas ao Cruz Azul ocorrem nas tardes de quinta-feira, semana sim, semana não. Começaram por iniciativa de Claudia Begueldo, assistente social do hospital e responsável pelas iniciativas que tentam humanizar o ambiente hospitalar. A decisão de Claudia foi influenciada por dois fatores: primeiro, há evidências científicas de que a presença de animais ajuda na recuperação de pacientes. Cláudia teve a ideia de trazer cães terapeutas para o Cruz Azul depois de ver experiências bem-sucedidas em outros hospitais. Inspirou-se na iniciativa do Hospital São Paulo, instituição ligada a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Lá, as intervenções com animais acontecem há 9 anos.

Em segundo lugar, ela mesma adora cachorros. Não é a única: “Os funcionários daqui também ficam animados quando é dia de visita”, diz ela.  Quem andava pelo corredores do hospital, naquela quinta-feira, percebia certa excitação. “Hoje é o dia dos cachorros? Já já eu subo lá”, disse uma médica ao encontrar Cláudia no elevador. Ela respondeu com um sorriso.

Tratamentos assistidos por animais, ou TAAs, são antigos. Há sinais de que ocorram há séculos, de maneira quase informal. Um dos registros mais antigos da técnica foi feito pela britânica Florence Nightingale, considerada a mãe da enfermagem moderna. Em 1860, Nightingale observou que aqueles pacientes que contavam com a companhia de pequenos animais domésticos manifestavam sensível melhora de saúde. “O comentário dela influenciou muitos médicos a aplicar as terapias assistidas por animais aos seus próprios tratamentos” diz Aubrey Fine, psicólogo clínico e professor da Universidade Politécnica da Califórnia. Fine se dedica à área desde 1973. Seu interesse surgiu por acaso, ao trabalhar com crianças hiperativas. Numa tarde, Fine levou Sasha – uma pequena ratinha-do-deserto – para brincar com as crianças. Notou como elas mudavam de comportamento: “Mesmo as crianças mais agitadas se aquietavam, e esperavam a vez para pegar Sasha nas mãos”.

O campo ganhou fôlego científico – ainda que fraco – a partir de 1961. Naquele ano, o psicólogo Boris Levinson defendeu, em uma palestra que ficaria famosa, os méritos dos bichos terapeutas. Seus comentários foram recebidos com entusiasmo por alguns, e com deboche por outros. No Brasil, alguns dos trabalhos mais importantes foram publicados pela psiquiatra Nise da Silveira durante a década de 1990. No livro Gatos, a emoção de lidar, ela relata suas experiências com o uso de gatos no tratamento de pacientes com esquizofrenia. Além de gatos e cachorros, há terapias desenvolvidas com uma infinidade de animais – de cavalos a cobras.
Ainda faltam evidências científicas quem amparem as TAAs. Fine diz que a maioria dos trabalhos hoje publicados se resume a revisar os resultados de pesquisas antigas, sem que novas experiências sejam realizadas. A maioria defende que a presença dos animais interfere na regulação de três tipos de substâncias importantes para o bem-estar dos humanos:  endorfina, oxitocina e as catecolaminas. As duas primeiras são hormônios associados às sensações de prazer. Elas aumentam na presença dos animais. Jás as catecolaminas são hormônios como a adrenalina, que contribuem para que a pessoa se sinta estressada. Quando os animais estão por perto, seus níveis caem.

Os efeitos das visitas são sentidos também nos cãezinhos. Um estudo desenvolvido por veterinários parceiros do Inataa constatou que a frequência cardíaca dos animais salta quando em contato com as crianças. Por isso, as visitas tendem a ser curtas – duram entre 40 minutos e 1 hora. É importante não deixar os cachorros estressados demais.
No Cruz Azul, as crianças usam os cães para perder o medo do tratamento. Enfaixam os cahorros, fingem que vão fazer operações, trocam órgãos de mentira entre os cães. Os cachorros recebem os afagos e puxões docilmente. Essa é uma característica importante do cão terapeuta: ele precisa ser receptivo ao toque.

Na teoria, qualquer cachorro pode virar terapeuta: “Um cão terapeuta não precisa ter raça”, diz Vera. Mas carece de alguma vocação. Os interessados passam por testes do Inaata, para assegurar que vão se manter dóceis quando puxados, apertados ou afagados. E para saber como reagem na presença de bengalas, cadeiras de rodas ou do cheiro do hospital. O cachorro também precisa obedecer a alguns comandos básicos – “deita”, “fica”, “senta”. uma vez aprovado nos testes, ele passa por um período de estágio: começa a frequentar asilos por períodos curtos, em seções de 10 ou 15 minutos. Visitas a crianças, só depois da graduação.

Durante aquela tarde, Mambo se comportou como um cão modelo. Derreteu-se aos pés de Vitor, um menino de dois anos, internado há três dias. O encanto era recíproco. “A gente não tem muito espaço em casa, então ele não está acostumado com cachorros grades”, diz Manoel Rodrigues, pai do menino. Carla Bononi, a dona de Mambo, estava orgulhosa. “Não tem nada melhor do que a gente receber sorrisos”.

Fonte: Época

Patricia Lopes
Jornalista da Equipe de Comunicação da ONG Hospitalhaços

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