sexta-feira, agosto 21, 2015

Luís Godoy: “Por trás da máscara vermelha”

Luís Godoy é o convidado da Hospitalhaços para ministrar a oficina “Por Trás da Máscara Vermelha”, no 1º Congresso de Palhaços Humanitários, que acontecerá em Campinas de 5 a 7 de setembro. Ator, palhaço e pesquisador da linguagem da comicidade, especializado na linguagem do clown e o jogo, com pesquisas premiadas.

Nesta entrevista, a primeira da série, Luís revela um pouco  de sua história, de como se descobriu palhaço, do seus projetos e também conta um pouco sobre a oficina que oferecerá no congresso.


Conte um pouco sobre sua formação e os caminhos que te levaram a estas escolhas.

Sou palhaço tem 10 anos, mas antes da palhaçaria conheci o teatro, trabalhei um tempo com a arte da cena e a partir dela conheci o palhaço. Acreditando no amor e no papel transformador da arte, passei a dedicar-me a arte humanitária, em que por meio do palhaço pude concretizar atos de maneira direta e com um impacto muito mais abrangente, rodando por cerca de 12 estados brasileiros e 14 países ao redor do mundo, onde também passei a levar o palhaço ainda mais a sério, realizando estudos dentro da UNICAMP, que inclusive renderam premiação em âmbito acadêmico.

Qual é a sua formação?

Atualmente, sou aluno especial pelo programa de mestrado, Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, aluno coordenador do curso de extensão em arte circense e responsável pelo Grupo de Estudo e Pesquisa na Arte do Clown e integrante e idealizador do Grupo Interdisciplinar em Estudos e Pesquisas Aplicadas ao Jogo – GIEPAJ da Faculdade de Ciências Aplicadas da UNICAMP.

Estudei Clown Universidad Politecnica de Madrid e Comicidade Física na Universidade de Santiago de Chile.  E também faço parte da diretoria da Associação Brasileira de Malabarismo e Circo – ABRAMALA.

Iniciei a carreira de ator em 2000, desde então atuo em diversos grupos, entre eles: Medicina do Riso e Palhaços Sem Fronteiras/Payasos Sin Fronteras (Espanha).

Hoje pesquiso o palhaço de maneira mais profunda, podendo disseminar o conhecimento com textos e artigos acadêmicos, que são aplicados em oficinas, intervenções e espetáculos realizados pelo Brasil e pelo mundo.

Fale um pouco sobre os cursos que fez fora do país. Pode explicar o que é comicidade física?

Na Espanha e no Chile, estudei em duas universidades "Universidad Politecnica de Madrid" e "Universidad de Santiago de Chile". Dentro da universidade participei de alguns estudos específicos na área de expressão corporal e teatro cômico, onde utilizamos técnicas corporais para a construção do arquétipo do personagem cômico.

Todo corpo é cômico/risível, segundo Bergson: "No hay comicidad fuera de lo propiamente humano. Un paisaje podría ser hermoso, armonioso, sublime, insignificante o feo, pero nunca será risible. Nos reiremos de un animal, pero porque habremos descubierto en el una actitud de hombre o una expresión humana." Tradução livre: “"Não há comicidade além da própria humanidade. A paisagem pode ser bonita, harmoniosa, sublime, insignificante ou feia, mas nunca será risível. Nós rimos de um animal, mas porque descobriram em uma atitude de homem ou expressão humana. "

O palhaço/clown não é a representação do que sou, mas sim, sou, ou seja, expresso as características específicas do ser que me é próprio, o quanto mais próximo de mim, mais risível eu serei, o que faz rir são meus traços de humanidade, é isso que causa a identificação.  Por que se rí? Porque se identifica, por esse motivo na maioria das vezes o riso é intraduzível.

Como surgiu o Medicina do Riso?

O Medicina do Riso surgiu em 2005. Em meados de 2003, um amigo me contou que ia às ruas, prisões e hospitais tocar canções para as pessoas. Ao pesquisar, descobri que trabalhos como esse já eram desenvolvidos pelo mundo, então iniciei o Medicina do Riso, levando o trabalho que eu já desenvolvia como ator para inúmeros espaços. Os primeiros trabalhos desenvolvidos pelo Medicina do Riso foram na ruas, realizamos intervenções, apresentações, oficinas de circo e fomos ganhando cada vez mais espaço, até que em 2010 iniciamos um trabalho por todo território nacional e em 2012 a nível internacional. Hoje o nosso foco são expedições de palhaços para inúmeras regiões pelo Brasil e pelo mundo.

Existe diferença entre clown e palhaço? Se sim, pode explicar?

Segundo Luis Otávio Burnier, "clown e palhaço são termos distintos para designar a mesma coisa. Existem, sim, diferenças quanto às linhas de trabalho". O que busco e pesquiso é uma linha ontológica, onde trabalho na exposição do ser que me é próprio, não acredito no palhaço como a representação, mas sim como a verdade, o meu palhaço é nada mais, nada menos do que eu, com pontos característicos específicos ao qual exponho e que por meio da identificação da máscara do palhaço são aceitos socialmente.

Qual a sua relação com a ONG Hospitalhaços? Como a conheceu?

A relação que tenho com a Hospitalhaços é devido ao trabalho que desenvolvo, como ministros muitos cursos e estudos na área, na maioria das vezes voluntários do grupo estão presentes em oficinas e apresentações. Além também do grande carinho que tenho pelo grupo. Conheci a Hospitalhaços através de alguns conhecidos e amigos que integravam o grupo, a partir daí tomei conhecimento do trabalho (e isso já faz um bom tempo (risos)).


Porque é importante a figura do palhaço para a humanização hospitalar?

O palhaço rompe com alguns paradigmas, consegue alcançar as pessoas em suas características mais subjetivas. A humanidade presente no palhaço causa identificação imediata, a sua exposição mostra o quão frágil somos e o quanto nos escondemos atrás da casca do "ser humano inviolável", e ao ver o palhaço vemos também o quanto somos vulneráveis e passíveis de erros, medos, dores e tudo o que nos atinge diretamente.

Portanto, o palhaço transcende os limites dos espaços circo e teatro. É fundamental que o palhaço esteja cada dia mais inserido em meio a sociedade, ele não é a cura ou o remédio, ele faz parte do meio, parte fundamental para que olhemos para dentro de nós mesmos e assim aprendamos a nos aceitarmos e nos respeitarmos, para que assim, possamos também aceitar e respeitar ao outro.

Fale um pouco sobre a oficina que apresentará no Congresso. O que há por trás da máscara vermelha?

 A oficina "Por Trás da Máscara Vermelha" é uma oficina que vem desde o começo do meu trabalho como palhaço, foi ministrada em diversos países entre Europa e América do Sul. Nela, trabalho com referências filosóficas, onde busco por meio do teórico poder aplicar e extrair pontos característicos e subjetivos dos participantes com jogos cênicos, psicodrama e muita expressão corporal.

A oficina tem por objetivo dar possibilidade de jogar e entender o que se joga e porque se joga, jogando com o outro, mas antes de mais nada entender o jogar consigo mesmo. O palhaço pode ser belo e esplêndido, mas para isso, precisa aceitar o feio e o grotesco, e dentro desse contexto entender que a derrota nem sempre é tão ruim como pensamos. Afinal, é uma grande vitória aceitarmos as nossas derrotas.

Todo mundo pode ser palhaço ou todo mundo tem um palhaço dentro de si?

Te diria o seguinte, o palhaço está na disposição de "ser", pensando ser como citei acima, uma concepção ontológica. Se eu estiver disposto a olhar para eu mesmo e aceitar aquilo que sou e aceitar as minhas tolices, o meu ridículo, se eu passar a encarar isso de frente, então sim, eu estarei disposto! Uma tarefa fácil? Não, longe disso, não basta expressar gestos e piadas aleatórias, isso não te faz um palhaço, isso te faz uma representação daquilo que você vê como palhaço e acaba reproduzindo. Por isso, a tarefa vai muito além do fazer rir, antes de qualquer coisa eu tenho que me preocupar em ser e, a partir disso, o rir ou não rir acontecerá.





Sobre o Congresso

A ONG Hospitalhaços realiza em setembro o 1º Congresso de Palhaços Humanitários, em Campinas (SP). O objetivo é promover um encontro que reúna diversos grupos que já trabalham com a humanização hospitalar por meio da figura do palhaço ou que pretendem formar um grupo.

A programação inclui oficinas, palestras, grupos de discussão, cabaret e baile de palhaços!

Para se inscrever e conhecer a programação completa, clique aqui.


Jornalista da Equipe de Comunicação da ONG Hospitalhaços 


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